Fabrício Carpinejar
Até que ponto é possível amar sem ser amado?
Quando amamos platonicamente, o amor pode durar muito tempo. Pois não
tem ninguém para estragar nossa idealização. Não há convivência para nos
desafiar. É uma paixão estanque, feita de sonho e névoa. É uma vontade
desligada da realidade. Temos a expectativa intacta, longe de
contratempos. Acordamos e dormimos com o mesmo sentimento, longe de interrupção em nossa fantasia.
Mas quando amamos dentro de um casamento e quem nos acompanha não
retribui o amor? Quanto tempo dura? Quanto tempo você suporta a secura, o
desaforo, a grosseria? Quantos meses, se cada dia é um ano?
Nem estou falando de falta de sexo, mas a falta de beijo, de abraço, da
telepatia rumorosa, do colo, de perceber seus cabelos sendo penteados
pelas mãos, de ver seu rosto encarado de forma única e brilhante. Nem
estou falando da falta de aventura, mas do conforto protetor, da
cumplicidade, do afago que é viver com a certeza de que é admirado. Nem
estou falando da falta de viagens, mas do mínimo da rotina apaixonada,
ser cuidado mesmo quando está distraído. Não estou falando de arroubos e
arrebatamentos, mas da vontade boa de morder seus lábios levemente
quando suspira e de esperar o final de semana como um feriado.
Quanto tempo dura o amor sem retorno, sem reconhecimento?
Talvez pouco, quase nada. Quem não se sente amado não é capaz de amar. Não é problema de carência, é questão de tortura.
Extravia-se a cintilação dos olhos. Ocorre um bloqueio, uma
desesperança, uma resignação violenta. É como dançar valsa sozinho, é
como dançar tango sozinho. É abraçar pateticamente o invisível e não ter
o outro corpo para garantir seu equilíbrio.
Você se verá um
mendigo em sua própria casa, diminuído, triste, desvalorizado, esmolando
ternura e atenção. Aquilo que antes parecia natural – a doação, a
entrega, a alegria de falar e de se descobrir – será raro e inacessível.
Todo o corredor torna-se pedágio da hostilidade. Passará a evitar os
cômodos para não brigar, passará a evitar certos horários para se
encontrar com sua esposa ou marido, passará a prolongar os períodos na
rua, passará apenas a passar. Combaterá as discussões e gritarias
anulando sua personalidade. Despovoará a sua herança, assumirá o
condomínio do deslugar. Comerá de pé para evitar o silêncio insuportável
entre os dois.
Quer um maior mendigo do que aquele que dorme
no sofá em sua residência? Com um cobertorzinho emprestado e com a
claridade das janelas violentando os segredos?
Por ausência de
gentileza, perdemos romances. O que todos desejam é alguém que diga: não
vou desperdiçar a chance de lhe amar. Alguém que não canse das
promessas, que não sucumba ao egoísmo do pensamento, que tenha mais
necessidade do que razão.
A gentileza é tão fácil. É fazer uma
comida de surpresa, é convidar a um cinema de imprevisto, é pedir uma
conversa séria para apenas se declarar, é comprar uma lembrancinha, é
chamar para um banho junto, é oferecer massagem nos pés, é perguntar se
está bem e se precisa de alguma coisa, é tentar diminuir a preocupação
do outro com frases de incentivo.
Quando o amor para de um dos
lados, o relógio intelectual morre. Não se vive desprovido de gentileza.
A gentileza é o amor em movimento.